segunda-feira, 4 de abril de 2011

Talvez fosse preciso


Há dias tento escrever, mas não consigo. Estagnei dentro de mim mesma e preciso, de alguma maneira, sair - com o perdão da ambigüidade: – literalmente- para fora.

Não consigo formular frases concretas. Minha voz no dia-a-dia do trabalho anda fraca, sem fôlego. Até para falar de música, não tive a mesma excitação nesses últimos dias. Recebi ligações de dois ouvintes que notaram a diferença. E eles tinham razão.

Tenho achado meus textos sem precisão, sem sentimento, sem motivo. Recusei convites para sair porque quis ficar sozinha. E cansei de reclamar e insistir em minhas expressões desesperadoras por respostas que nem existem do outro lado. Essa minha vontade, tão involuntária, buscou que reciprocidades tornassem-se vivas, mas esqueci que elas silenciam-se em sua naturalidade do contexto do ciclo, da vida.

Acho que a sensibilidade bateu um pouco mais. E eu cansei de algumas coisas. E de mim.

Tenho andado ainda mais introspectiva nas segundas-feiras quando me encontro com os alunos na escola. E o dia que eu "reservei" para fugir um pouco da rotina e também aprender um pouco mais da vida, tem-me feito olhar um pouco mais para o meu íntimo. Talvez isso seja também aprender.

Semana passada o Junior, aluno de 13 anos que disse que quer ser jornalista - e consegue formular um pensamento até melhor do que muitos universitários, me disse: “Tu tá triste”. Fez durante a aula, uma história em quadrinhos sobre uma menina que sonhava em ser feliz, mas não conseguia. O final da história dizia em letras azuis: “Viva, mesmo que não encontre a felicidade. Viver é estar vivo”. Pintou. E me entregou no encerramento, naquele momento em que eles saem em filinha, em direção à porta. Seus olhos me disseram nesse momento da entrega: “A vida é para ser vivida.” Era só isso que eu conseguia pensar. E que frase clichê, não? Mas eu já me questiono se tenho vivido – de fato – minha vida.

O que é viver? É apenas estar vivo? Ou estar vivo é viver?

Voltei para casa pensando que essa tristeza interna – tão externada na minha face, fez a percepção do menino mais curioso que eu pude conhecer nessa valiosa experiência da educação até aqui. Junior tem uma história constrangedora e impactante para ser refletida a partir da conceituação: “estar vivo nesse mundo”. Cada segunda-feira, eu volto com um estranhamento de inquietude com a história de vida dele, dentre tantas histórias de alunos que tenho o contato semanalmente.

Junior é um menino pequeno, muito baixinho, magro e com um rosto curioso: inocente/questionador. Há quase dois anos, tem “segurado a barra” em casa pelo sofrimento do irmão mais velho estar envolvido intensamente no crack. A situação é tão crítica que esse irmão está enjaulado – exatamente isso – em casa, tendo já fugido algumas vezes, para o desespero da família.

Penso na situação e não consigo compreender. O que deve ser para uma mãe, uma família, ver uma pessoa que se ama, atrás de grades, dentro da própria casa? Penso no menino que tá passando por essa situação e meu coração se rasga com dificuldade de pensar racionalmente na angústia que deve ser para cada um. Surreal em uma fração de segundos dentro de minha limitação. Tristemente real e contínuo em milhares de realidades, quando reflito e caio no constrangimento verdadeiro de constatar: que mundo, que mundo...

O Junior que me faz perguntas do tipo: “Tu é de esquerda, sora? Será que a presidente vai melhorar o país?” lá nas primeiras oficinas, pelo mês de outubro. Ele que almoça comigo e com as outas voluntárias na escola; que passa das oito às 18 horas ao lado dos colegas; que joga pouco futebol; que senta ao lado do Tiago todos os dias e o incentiva a escrever e que não sai de perto da professora Rosa, da oficina de “leitura”.

O mesmo menino que é curioso, lendo de tudo pelos corredores, sejam os cartazes nos murais, os flyers na secretaria e os livros de história do Brasil, é o mesmo menino que me diz para continuar a viver. E quando chega em casa, cuida da mãe, que está com depressão e tenta acalmar o irmão que está encarcerado.

O que dizer a uma criança que é capaz de passar algo tão sublime e ao mesmo tempo tão perturbador? Soco no estômago e em minha mediocridade – por alguns conceitos da vida.

Voltei para minha casa e sentei-me à mesa, com meus pais. Vi, pela janela da porta da cozinha que me mostra o pátio, meu cachorro brincar como todos os dias com a bola da sinuca; meu pai com sua tranqüilidade tão constrangedora e sua naturalidade no violão e minha mãe com seus mil conselhos, preparando tudo ao mesmo tempo. Tudo a mesma coisa. Mesma normalidade. Essa é uma parte da minha vida. Acho que estou viva, pensei. Estou?

Resolvi ler os exercícios que cada aluno tinha entregue, em que precisavam escrever em um parágrafo, alguma informação de assunto livre, contendo: “O que, quem, quando, porque, como e onde” – o bendito lide! Dentre tanta curiosidade que leio, páro e fico um tempo com esse pedaço de papel: “O país está cheio de crianças abandonadas pelas ruas. Não se sabe o porque, mas quem sabe no futuro, elas possam estar ao lado dos seus pais, dentro de casa”. Mais uma inquietação. Me perturbei – dentro de minha frenética vontade de ver uma realidade no mínimo mais humana – dentre tantos fatos lamentáveis- ver, mais uma vez, o Junior me surpreender com sua sinceridade e precisão.

O que eu tenho feito de mim?

Por que me fechei em mim mesma? Talvez fosse preciso para curar alguma dor aqui, que reina. Talvez fosse preciso para o Junior ver tristeza em mim. Talvez fosse preciso para continuar a viver.

Olho para o relógio aqui, são 04:24. Faltam 4 horas pra eu encontrá-lo juntamente com outros tantos pares de olhos que me inquietam, me intoleram, me chamam para dentro de mim; me chamam para fora, me fazendo compreender um pouco mais desse mundo. Difícil é compreender.

Acordo daqui a pouco. Tudo de novo. Eu vou receber mais papéis. Mais perguntas, mais desenhos, mais cores, mais olhares... e o que eu não sei.

Acho que agora eu quero viver. Um pouco mais.
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3 comentários:

Natã Madeira disse...

E a vida em si deve ser plena, fora de caixas e formatações.

O que desejamos não está longe: ter vida hoje, e vida em abundância.

Sempre sincronizados, nega!

MClara disse...

você inspira! preciso viver.

Anônimo disse...

Ai Di...eu sinto que tu sentes e sinto o que sinto, mas tu não sentes e optasses por estar longe..eu respeito mas sinto

tu sabes quem